sábado, 27 de fevereiro de 2010

Produção de texto

Este post é diferente: Texto REVISTA NOVA ESCOLA

Para produzir textos de qualidade, seus alunos têm de saber o que querem dizer, para quem escrevem e qual é o gênero que melhor exprime essas ideias. A chave é ler muito e revisar continuamente

Thais Gurgel (novaescola@atleitor.com.br)Colaborou Tadeu Breda


TEXTOS DE QUALIDADE Editorial, biografia, fábula e conto. Para redigir textos com significado, alunos de São Paulo, do Recife e do Rio de Janeiro leram o gênero estudado e aprenderam a planejar o que vão produzir e a revisar o material antes que ele possa circular entre colegas e familiares.


Narração, descrição e dissertação. Por muito tempo, esses três tipos de texto reinaram absolutos nas propostas de escrita. Consenso entre professores, essa maneira de ensinar a escrever foi uma das principais responsáveis pela falta de proficiência entre nossos estudantes. O trabalho baseado nas famosas composições e redações escolares tem uma fragilidade essencial: ele não garante o conhecimento necessário para produzir os textos que os alunos terão de escrever ao longo da vida. "Nessa antiga abordagem, ninguém aprendia a considerar quem seriam os leitores. Por isso, não havia a ref lexão sobre a melhor estratégia para colocar uma ideia no papel", resume Telma Ferraz Leal, da Universidade Federal de Pernambuco.

Para aproximar a produção escrita das necessidades enfrentadas no dia-a-dia, o caminho atual é enfocar o desenvolvimento dos comportamentos leitores e escritores. Ou seja: levar a criança a participar de forma eficiente de atividades da vida social que envolvam ler e escrever. Noticiar um fato num jornal, ensinar os passos para fazer uma sobremesa ou argumentar para conseguir que um problema seja resolvido por um órgão público: cada uma dessas ações envolve um tipo de texto com uma finalidade, um suporte e um meio de veiculação específicos. Conhecer esses aspectos é condição mínima para decidir, enfim, o que escrever e de que forma fazer isso. Fica evidente que não são apenas as questões gramaticais ou notacionais (a ortografia, por exemplo) que ocupam o centro das atenções na construção da escrita, mas a maneira de elaborar o discurso (leia o quadro abaixo).

Expectativas de aprendizagem
No que se refere à escrita, é importante que, no fim do 5º ano, o aluno saiba:

- Re-escrever e/ou produzir textos de autoria utilizando procedimentos de escritor: planejar o que vai escrever considerando a intencionalidade, o interlocutor, o portador e as características do gênero; fazer rascunhos; reler o que está escrevendo, tanto para controlar a progressão temática como para melhorar outros aspectos - discursivos ou notacionais - do texto.

- Revisar escritas (próprias e de outros), em parceria com os colegas, assumindo o ponto de vista do leitor com intenção de evitar repetições desnecessárias (por meio de substituição ou uso de recursos da pontuação); evitar ambiguidades, articular partes do texto, garantir a concordância verbal e a nominal.

- Revisar textos (próprios e de outros) do ponto de vista ortográfico. Ao concluir o 9º ano, o estudante precisa estar apto também a:

- Compreender e produzir uma variedade de textos, tendo em conta os padrões que os organizam e seus contextos de produção e recepção.

- Utilizar todos os conhecimentos gramaticais, normativos e ortográficos em função da otimização de suas práticas sociais de linguagem.

- Exercer sobre suas produções e interpretações uma tarefa de monitoramento e controle constantes.

- Interpretar e produzir textos para responder às demandas da vida social enquanto cidadão.

Fonte: Secretaria de Estado de Educação de São Paulo e Diseño Curricular de la Educación Secundaria da Província de Buenos Aires, Argentina

Há outro ponto fundamental nessa transformação das atividades de produção de texto: quem vai ler. E, nesse caso, você não conta. "Entregar um texto para o professor é cumprir tarefa", argumenta Fernanda Liberali, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. "Escrever não é fácil. Para que o aluno fique estimulado com a proposta, é preciso que veja sentido nisso." O objetivo é fazer com que um leitor ausente no momento da produção compreenda o que se quis comunicar - e esse desafio requer diferentes aprendizagens.

O primeiro passo é conhecer os diversos gêneros. Mas é preciso atenção: isso não significa que os recursos discursivos, textuais e linguísticos dos contos de fadas e da reportagem, por exemplo, sejam conteúdos a apresentar aos alunos sem que eles os tenham identificado pela leitura, como ressalta Delia Lerner no livro Ler e Escrever na Escola. Um primeiro risco é o de cair na tentação de transmitir verbalmente as diferentes estruturas textuais. De acordo com a pesquisadora em didática, cabe a todo professor permitir que as crianças adquiram os comportamentos do leitor e do escritor pela participação em situações práticas e não "por meras verbalizações".

Ensinar a produzir textos nessa perspectiva prevê abordar três aspectos principais: a construção das condições didáticas, a revisão e a criação de um percurso de autoria, como se pode ver a seguir.

Os textos redigidos em classe precisam de um destinatário

"Escreva um texto sobre a primavera." Quem se depara com uma proposta como essa imediatamente deveria se fazer algumas perguntas. Para quê? Que tipo de escrita será essa? Quem vai lê-la? Certas informações precisam estar claras para que se saiba por onde começar um texto e se possa avaliar se ele condiz com o que foi pedido. Nas pesquisas didáticas de práticas de linguagem, essas delimitações denominam-se condições didáticas de produção textual. No que se refere ao exemplo citado, fica difícil responder às perguntas, já que esse tipo de redação não existe fora da escola, ou seja, não faz parte de nenhum gênero.

De acordo com Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz, o trabalho com um gênero em sala de aula é o resultado de uma decisão didática que visa proporcionar ao aluno conhecê-lo melhor, apreciá-lo ou compreendê-lo para que ele se torne capaz de produzi-lo na escola ou fora dela. No artigo Os Gêneros Escolares - Das Práticas de Linguagem aos Objetos de Ensino, os pesquisadores suíços citam ainda como objetivo desse trabalho desenvolver capacidades transferíveis para outros gêneros.

Para que a criança possa encontrar soluções para sua produção, ela precisa ter um amplo repertório de leituras. Essa possibilidade foi dada à turma de 9º ano da professora Maria Teresa Tedesco, do Centro de Educação e Humanidades Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira - conhecido como Colégio de Aplicação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Procurando desenvolver a leitura crítica de textos jornalísticos e o conhecimento das estruturas argumentativas na produção textual, ela propôs uma atividade permanente: a cada semana, um grupo elegia uma notícia e expunha à turma a forma como ela tinha sido tratada nos jornais. Depois, seguia-se um debate sobre o tema ou a maneira como as reportagens tinham sido veiculadas.

Paralelamente, os estudantes tiveram contato com textos de finalidades comunicativas diversas no jornal, como cartas de leitores, editoriais, artigos opinativos e horóscopo. "O objetivo era que eles analisassem os materiais, ref letissem sobre os propósitos de cada um e adquirissem um repertório discursivo e linguístico", conta Maria Teresa, que lançou um desafio: produzir um jornal mural.

Na hora de iniciar uma produção escrita, todo estudante precisa saber o quê, para quê e para quem vai escrever. Só então se define a forma do texto, que precisa ser entendido pelo leitor

A proposta era trabalhar com textos opinativos, como os editoriais. Para que a escrita ganhasse sentido, ela avisou que o jornal seria afixado no corredor e que toda a comunidade escolar teria acesso a ele. Os assuntos escolhidos tratavam das principais notícias do momento, como o surto de dengue no Rio de Janeiro e a discussão sobre a maioridade penal. Com as características do gênero já discutidas e frescas na memória, todos passaram à produção individual.

A primeira versão foi lida pela professora. "Sempre havia observações a fazer, mas eu deixava que os próprios meninos ajudassem a identificar as fragilidades", diz Maria Teresa. Divididos em pequenos grupos, os alunos revisaram a produção de um colega, escrevendo um bilhete para o autor com sugestões e avaliando se ela estava adequada para publicação. Eram comuns comentários como "argumento fraco", "pouco claro" e "falta conclusão", demonstrando o repertório adquirido com a leitura dos modelos.

"Envolver estudantes de 6º a 9º ano na produção textual é um grande desafio", ressalta Roxane Rojo, da Universidade Estadual de Campinas. "Muitas vezes, eles tiveram de produzir textos sem função comunicativa durante a escolaridade inicial e, por acreditarem que escrever é uma chatice, são mais resistentes." Atenta, Maria Teresa soube driblar esse problema. Percebendo que a turma andava inquieta com a proibição por parte da direção do uso de short entre as meninas, a professora fez disso tema de um editorial do jornal mural - a produção foi uma das melhores propostas do projeto.

"Para que alguém se coloque na posição de escritor, é preciso que sua produção tenha circulação garantida e leitores de verdade", diz Roxane. E todos saberiam a opinião do aluno sobre a questão, inclusive a diretoria. "Só assim ele assume responsabilidade pela comunicação de seu pensamento e se coloca na posição do leitor, antecipando como ele vai interpretá- lo." A argumentação da garotada foi tão bem estruturada que a diretoria resolveu voltar atrás e liberar mais uma vez o uso da roupa entre as garotas.

A criação de condições didáticas nas propostas para as turmas de 1º a 5º ano segue os mesmos preceitos utilizados pela professora Maria Teresa. "Em qualquer série, como na vida, produzir um texto é resolver um problema", ensina Telma Ferraz Leal. "Mas para isso é preciso compreender quais são os elementos principais desse problema."

Revisão vai além da ortografia e foca os propósitos do texto

Produzir textos é um processo que envolve diferentes etapas: planejar, escrever, revisar e re-escrever. Esses comportamentos escritores são os conteúdos fundamentais da produção escrita. A revisão não consiste em corrigir apenas erros ortográficos e gramaticais, como se fazia antes, mas cuidar para que o texto cumpra sua finalidade comunicativa. "Deve-se olhar para a produção dos estudantes e identificar o que provoca estranhamento no leitor dentro dos usos sociais que ela terá", explica Fernanda Liberali.

Com a ajuda do professor, as turmas aprendem a analisar se ideias e recursos utilizados foram eficazes e de que forma o material pode ser melhorado. A sala de 3º ano de Ana Clara Bin, na Escola da Vila, em São Paulo, avançou muito com um trabalho sistemático de revisão. Por um semestre, todos se dedicaram a um projeto sobre a história das famílias, que culminou na publicação de um livro, distribuído também para os pais. Dentro desse contexto, Ana Clara propôs a leitura de contos em que escritores narram histórias da própria infância.

Os estudantes se envolveram na reescrita de um dos contos, narrado em primeira pessoa. Eles tiveram de re-escrevê- lo na perspectiva de um observador - ou seja, em terceira pessoa. A segunda missão foi ainda mais desafiadora: contar uma história da infância dos pais. Para isso, cada um entrevistou familiares, anotou as informações colhidas em forma de tópicos e colocou tudo no papel.

Ana Clara leu os trabalhos e elegeu alguns pontos para discutir. "O mais comum era encontrar só o relato de um fato", diz. "Recorremos, então, aos contos lidos para saber que informações e detalhes tornavam a história interessante e como organizá-los para dar emoção." Cada um releu seu conto, realizou outra entrevista com o parente-personagem e produziu uma segunda versão.

Tiveram início aí diferentes formas de revisão - análise coletiva de uma produção no quadro-negro, revisão individual com base em discussões com o grupo e revisões em duplas – realizadas dias depois para que houvesse distanciamento em relação ao trabalho. A primeira proposta foi a "revisão de ouvido". Para realizá-la, Ana Clara leu em voz alta um dos contos para a turma, que identificou a omissão de palavras e informações. A professora selecionou alguns aspectos a enfocar na revisão: ortografia, gramática e pontuação. "Não é possível abordar de uma só vez todos os problemas que surgem", completa Telma.

O objetivo do aluno ao fazer a revisão de texto é conseguir que ele comunique bem suas ideias e se ajuste ao gênero. Isso tem de ser feito tanto durante a produção como ao fim dela

Quando a classe de Ana Clara se dividiu em duplas, um de seus propósitos era que uns dessem sugestões aos outros. A pesquisadora argentina em didática Mirta Castedo é defensora desse tipo de proposta. Para ela, as situações de revisão em grupo desenvolvem a ref lexão sobre o que foi produzido por meio justamente da troca de opiniões e críticas. "Revisar o que os colegas fazem é interessante, pois o aluno se coloca no lugar de leitor", emenda Telma. "Quando volta para a própria produção e faz a revisão, a criança tem mais condições de criar distanciamento dela e enxergar fragilidades."

Um escritor proficiente, no entanto, não faz a revisão só no fim do trabalho. Durante a escrita, é comum reler o trecho já produzido e verificar se ele está adequado aos objetivos e às ideias que tinha intenção de comunicar - só então planeja- se a continuação. E isso é feito por todo escritor profissional.

A revisão em processo e a final são passos fundamentais para conseguir de fato uma boa escrita. Nesse sentido, a maneira como você escreve e revisa no quadro-negro, por exemplo, pode colaborar para que a criança o tome como modelo e se familiarize com o procedimento. Sobre o assunto, Mirta Castedo escreve em sua tese de doutorado: "Os bons escritores adultos (...) são pessoas que pensam sobre o que vão escrever, colocam em palavras e voltam sobre o já produzido para julgar sua adequação. Mas, acima de tudo, não realizam as três ações (planejar, escrever e revisar) de maneira sucessiva: vão e voltam de umas a outras, desenvolvendo um complexo processo de transformação de seus conhecimentos em um texto".

Ser autor exige pensar no enredo e na estrutura

O terceiro aspecto fundamental no trabalho de produção textual é garantir que a criança ganhe condições de pensar no todo. Do enredo à forma de estruturar os elementos no papel: é preciso aprender a dar conta de tudo para atingir o leitor. Esse processo denomina-se construção de um percurso de autoria e se adquire com tempo, prática e reflexão.

Os estudos em didática das práticas de linguagem fizeram cair por terra o pensamento de que a redação com tema livre estimula a criatividade. Hoje sabe-se que depois da alfabetização há ainda uma longa lista de aprendizagens. Foi considerando a complexidade desse processo que Edileuza Gomes dos Santos, professora da EM de Santo Amaro, no Recife, desenvolveu um projeto de produção de fábulas com a 3ª série.

Ela deu início ao trabalho investindo na ampliação do repertório dentro desse gênero literário. Só assim foi possível observar regularidades na estrutura discursiva e linguística, como o fato de que os animais são os protagonistas. "Escolhi esse gênero porque ele tem começo, meio e fim bem marcados, algo que eu queria desenvolver na produção da garotada."

Para que o jovem seja capaz de elaborar um texto com as próprias ideias e dentro das características de um gênero, é preciso que desenvolva um percurso de autoria

A primeira proposta foi o reconto oral de uma fábula conhecida. "Isso envolve organizar ideias e pode ser uma forma de planejar a escrita", endossa Patricia Corsino, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Quando já dominamos todas as informações de uma narrativa, podemos focar apenas na forma de expor os elementos – mas esse é um grande desafio no início da escolaridade.

Na turma de Edileuza, as propostas seguintes foram a re-escrita individual e a produção de versões de fábulas conhecidas com modificações dos personagens ou do cenário. Aos poucos, todos ganharam condições de inventar situações. A professora percebeu que a turma não entendia bem o sentido da moral da história. Pediu, então, uma pesquisa sobre provérbios e seu uso cotidiano.

Com essa compreensão e um repertório de ditados populares, Edileuza sugeriu a criação de uma fábula individual. Ela discutiu com o grupo que elas geralmente têm como protagonistas inimigos tradicionais (cão e gato ou gato e rato, por exemplo). Estava colocada a primeira restrição para a produção. Em seguida, a classe relembrou alguns provérbios que poderiam ser escolhidos como moral nas histórias criadas.

Desde o início, todos sabiam que as produções seriam lidas por estudantes de outra escola, o que serviu de estímulo para bolar tramas envolventes. "Há uma diferença entre escrever textos com autonomia - obedecendo à estrutura do gênero, sem problemas ortográficos ou de coerência - e se tornar autor", diz Patrícia Corsino. "No primeiro caso, basta aprender as características do gênero e conhecer o enredo, por exemplo. No segundo, é preciso desenvolver ideias." Para chegar lá, a interação com professores e colegas e o acesso a um repertório literário são fundamentais.

Do 6º ao 9º ano, o processo de construção da autoria pode exigir desafios que sejam cada vez mais complexos: a elaboração de tensões na narrativa ou a participação em debates para desenvolver a argumentação, como fez a professora Maria Teresa, do Rio de Janeiro. "A re-escrita, primeiro passo para a construção da autoria, pode vir com propostas de produção de paródias, no caso dos maiores, que exigem mais elaboração por parte das turmas", diz Roxane Rojo. Uma boa forma de fazer circular textos nessa fase são os meios digitais, como blogs e a própria página do colégio na internet. Os jovens podem se responsabilizar por todas as etapas de produção, inclusive pela publicação, o que os estimula a aprimorar a escrita. Levar os estudantes a se expressar cada vez melhor, afinal, deve ser o objetivo de todo professor.

Quer saber mais?

CONTATOS
Centro de Educação e Humanidades Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira, R. Santa Alexandrina, 288, 20261-232, Rio de Janeiro, RJ, tel. (21) 2504-4004
EM de Santo Amaro, Av. Norte, 375, 52051-000, Recife, PE, tel. (81) 3232 5919
Escola da Vila, R. Barroso Neto, 91, 05585-010, São Paulo, SP, tel. (11) 3726-3578
Fernanda Liberali, liberali@uol.com.br
Roxane Rojo, rrojo@iel.unicamp.br
Telma Ferraz Leal, tfleal@terra.com.br

BIBLIOGRAFIA

Aprendendo a Escrever, Ana Teberosky, 200 págs., Ed. Ática, tel. (11) 3346-3000, 43,90 reais
Estética da Criação Verbal - Teoria e Crítica Literária, Mikhail Bakhtin, 512 págs., Ed. Martins Fontes, tel. (11) 3241-3677, 73,30 reais
Ler e Escrever na Escola - O Real, o Possível e o Necessário, Delia Lerner, 128 págs., Ed. Artmed,
tel. 0800-703-3444, 36 reais
Ortografia: Ensinar e Aprender, Artur Gomes de Morais, 128 págs., Ed. Ática, 36,90 reais

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Leitura e os Parâmetros Curriculares Nacionais

Práticas de leitura:

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a leitura possui uma função de extrema importância no ensino-aprendizagem dos alunos, uma vez que a partir do desenvolvimento da sua competência leitora esse aluno poderá tornar-se proficiente em todas as disciplinas.

Essa competência, por sua vez, será construída pelas práticas de leitura presentes dentro da sala de aula, com a finalidade de formar leitores e produtores de textos aptos para o manejo claro e definido de diversos gêneros textuais.
Segundo as orientações dos PCNs:

“Um leitor competente é alguém que, por iniciativa própria, é capaz de selecionar, dentre os trechos que circulam socialmente, aqueles que podem atender a uma necessidade sua. Que consegue utilizar estratégias de leitura adequada para abordá-los de formas a atender a essa necessidade”.(PCN de Língua Portuguesa de 5ª a 8ª Série, 1998; p. 15).

As atividades de leitura espontânea e de contar aos colegas o livro lido são sugeridas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais:
“O professor deve permitir que também os alunos escolham suas leituras. Fora da escola, os leitores escolhem o que lêem. É preciso trabalhar o componente livre da leitura, caso contrário, ao sair da escola, os livros ficarão para trás”. (PCNs, 1998; p. 17)

Outro aspecto destacado pelos PCNs é que a escola “deve organizar-se em torno de uma política de formação de leitores. Todo professor, não apenas o de Língua Portuguesa, é também professor de leitura”.

É importante destacar que as duas atividades mais comuns relacionadas à leitura em sala de aula, ler em voz alta e fazer perguntas de compreensão do texto, não ensinam de fato a ler. Para tanto, algumas tarefas específicas podem ajudar e cabe ao professor planejar suas aulas, de acordo com a realidade e a necessidade dos seus alunos para maior aproveitamento no processo de ensino-aprendizagem.
Sendo assim, para formar um leitor competente faz-se necessário compreender o que lê e que saiba posicionar-se na busca de informações implícitas, que se ancoram nos dados não fornecidos pelo autor. Para isso, esse leitor precisa de práticas constantes de leitura de textos diversos que circulam socialmente.

Tratamento didático:

O tratamento didático que a leitura precisa dentro da sala de aula, segundo os PCNs, refere-se à maneira como a leitura foi e está sendo exercitada, isto é, se for usada como objeto de aprendizagem, é necessário que ela faça sentido para o aluno, afastando-se, assim, daquele ensino em que o aluno/leitor não vê referência e nem sentido naquilo que lê.
Os PCNs fazem uma ressalva em relação à formação do leitor:
“Se o objetivo é formar cidadãos capazes de compreender os diferentes textos com os quais se defrontam, é preciso organizar o trabalho educativo para que experimentem e aprendam isso na escola (...)”.(PCN de Língua Portuguesa de 5ª a 8ª Série, 1998; p. 15).
No entanto, ao perceber que esses leitores não possuem referências de leitores em casa, esse foco deve ser muito mais explorado. Assim, o trabalho com a diversidade textual permitirá formar leitores competentes.


Aprendizado Inicial da Leitura:

Pelas recomendações dos PCNs (1998), no aprendizado inicial da leitura a primeira abordagem a ser excluída é aquela que vê a leitura simplesmente como decodificação de códigos. Por causa dessa formação deficitária, temos milhares de leitores que apenas sabem decodificar qualquer tipo de texto, porém não atribuem nenhum sentido a eles.

O leitor deve ter noção de que ao se ler é possível refutar ou confirmar as informações que ficaram claras ou não. Para isso, ele deve possuir condições ao iniciar sua leitura de construir hipóteses em relação ao título do texto, além de saber fazer uso de inferências, a partir do contexto ou do conhecimento prévio que possua do assunto tematizado.
Somente uma prática ampla de leitura promoverá um resultado eficiente, pelo contato constante com os mais diversos textos que facilitarão esse ensino-aprendizagem, e para que o leitor não se trave na leitura de materiais didáticos que não o levam à interação com o texto. No contexto escolar, a interação com outros leitores criará a oportunidade de vivenciar outros pontos de vista em relação ao mesmo tema lido.
O contato com outros leitores experientes promoverá o contato, de fato, com momentos válidos de leitura, propiciando a interação com a diversidade textual. Cabe ao professor mediar essa interação entre os leitores, podendo também constituir-se como “modelo”. Um professor apaixonado pela leitura é capaz de tornar seu aluno um leitor que sabe construir ativamente o significado de um texto, de acordo com o objetivo da sua leitura. Para isso, o material selecionado deve ser adequado ao leitor, tornando a aula de leitura um momento de contato prazeroso com a linguagem.

Segundo os PCNs, é necessário mostrar ao leitor que a leitura não é simplesmente uma disciplina da sua grade curricular escolar. Em outras palavras, o leitor deverá perceber que a leitura está presente em todas as esferas sociais e que a leitura como prática social corresponde a um objetivo delimitado. Portanto, a leitura não deve e nem pode ficar restrita a uma atividade presa à esfera escolar, mas sim como catalisador de suas relações sociais.
Então, uma prática constante de leitura na escola deve admitir diversas leituras, contrariando a antiga idéia de leitura única. Cabe ao professor permitir e incentivar diferentes leituras do mesmo texto, ou seja, realizar um trabalho que faça seu aluno consolidar as estratégias de leitura, confirmando ou refutando suas hipóteses. A verificação dessas estratégias possibilitará ao professor avaliar o sentido constituído pelo aluno.
Assim, o desafio a ser driblado é:
“Para tornar os alunos bons leitores — para desenvolver, muito mais do que a capacidade de ler, o gosto e o compromisso com a leitura —, a escola terá de mobilizá-los internamente, pois aprender a ler (e também ler para aprender) requer esforço. Precisará fazê-los achar que a leitura é algo interessante e desafiador, algo que, conquistado plenamente, dará autonomia e independência. Precisará torná-los confiantes, condição para poderem se desafiar a "aprender fazendo". Uma prática de leitura que não desperte e cultive o desejo de ler não é uma prática pedagógica eficiente.” (PCN de Língua Portuguesa de 5ª a 8ª Série, 1998; p. 17).

Entendemos que para tornar o aluno um bom leitor, cabe ao professor mobilizá-lo para ler, construindo significados para a leitura de seus textos, de acordo com o objetivo da leitura, o repertório do aluno e a mediação que é efetuada.
Essas aulas de leitura deverão deixar de ser parte de um método tradicional, em que o aluno apenas decodifica as palavras presentes no texto, ou seja, as aulas de leitura não deverão ser simples aulas de alfabetização (ensinar a ler e escrever) para se tornarem aulas de leitura (construção de sentidos). Portanto, o aluno precisa perceber a necessidade diária da leitura nas suas relações sociais.
Enfim, formar leitores é uma tarefa árdua, mas necessária para que o leitor competente possa construir sentidos e estabelecer relações com os mais diversos gêneros textuais. Somente práticas de leitura favoráveis consolidarão essa tarefa. Assim, não se deve restringir a leitura somente aos recursos disponíveis dentro da sala de aula. Condições de leitura precisam ser adequadas ao público e à necessidade requerida.
Os PCNs sugerem algumas condições necessárias para o aprendizado inicial da leitura. São elas:

• Dispor de uma boa biblioteca na escola;
• Dispor, nos ciclos iniciais, de um acervo de classe com livros e outros materiais de leitura;
• Organizar momentos de leitura livre em que o professor também leia. Para os alunos não acostumados com a participação em atos de leitura, que não conhecem o valor que possui, é fundamental ver seu professor envolvido com a leitura e com o que conquista através dela. Ver alguém seduzido pelo que faz pode despertar o desejo de fazer também;
• Planejar as atividades diárias garantindo que as de leitura tenham a mesma importância que as demais;
• Possibilitar aos alunos a escolha de suas leituras. Fora da escola, o autor, a obra ou o gênero são decisões do leitor. Tanto quanto for possível, é necessário que isso se preserve na escola;
• Garantir que os alunos não sejam importunados durante os momentos de leitura com perguntas sobre o que estão achando, se estão entendendo e outras questões;
• Possibilitar aos alunos o empréstimo de livros na escola. Bons textos podem ter o poder de provocar momentos de leitura junto com outras pessoas da casa — principalmente quando se tratam de histórias tradicionais já conhecidas;
• Quando houver oportunidade de sugerir títulos para serem adquiridos pelos alunos, optar sempre pela variedade: é infinitamente mais interessante que haja na classe, por exemplo, 35 diferentes livros — o que já compõe uma biblioteca de classe — do que 35 livros iguais. No primeiro caso, o aluno tem oportunidade de ler 35 títulos, no segundo apenas um;
• Construir na escola uma política de formação de leitores na qual todos possam contribuir com sugestões para desenvolver uma prática constante de leitura que envolva o conjunto da unidade escolar. (PCN de Língua Portuguesa de 5ª a 8ª Série, 1998; p. 17)

Ainda segundo as condições descritas pelos PCNs, para a formação de leitores são necessárias propostas didáticas orientadas especificamente para torná-los leitores. Portanto, veremos algumas dessas sugestões de trabalho com o aluno que podem servir de referência para a geração de outras propostas.

1.1.4 Leitura Diária:

Os PCNs (1998) sugerem que o trabalho com a leitura seja diário. Conforme descrito nele, há inúmeras possibilidades para que isso ocorra, tais como:

• De forma silenciosa, individualmente;
• Em voz alta (individualmente ou em grupo), quando fizer sentido dentro da atividade; através da escuta de alguém que lê.

No entanto, alguns cuidados são necessários:

• Toda proposta de leitura em voz alta precisa fazer sentido dentro da atividade na qual se insere e o aluno deve sempre poder ler o texto silenciosamente, com antecedência — uma ou várias vezes;
• Nos casos em que há diferentes interpretações para um mesmo texto e faz-se necessário negociar o significado (validar interpretações); essa negociação precisa ser fruto da compreensão do grupo e produzir-se pela argumentação dos alunos. Ao professor cabe orientar a discussão, posicionando-se apenas quando necessário;
• Ao propor atividades de leitura convém sempre explicitar os objetivos e preparar os alunos. É interessante, por exemplo, dar conhecimento do assunto previamente, fazer com que os alunos levantem hipóteses sobre o tema a partir do título, oferecer informações que situem a leitura, criar certo suspense quando for o caso, etc.;
• É necessário refletir com os alunos sobre as diferentes modalidades de leitura e os procedimentos que elas requerem do leitor. São coisas muito diferentes ler para se divertir, ler para escrever, ler para estudar, ler para descobrir o que deve ser feito, ler buscando identificar a intenção do escritor, ler para revisar. É completamente diferente ler em busca de significado — a leitura, de um modo geral — e ler em busca de inadequações e erros — a leitura para revisar. Esse é um procedimento especializado que precisa ser ensinado em todas as séries, variando apenas o grau de aprofundamento em função da capacidade dos alunos. (PCN de Língua Portuguesa de 5ª a 8ª, 1998; p. 18)

Leitura Colaborativa:

A segunda sugestão apresentada pelos PCNs (1998) é o trabalho de leitura colaborativa, uma vez que esse tipo de leitura proporciona e favorece a aplicação das estratégias de leitura já discutidas nos itens acima:

“(...) o professor lê um texto com a classe e, durante a leitura, questiona os alunos sobre as pistas lingüísticas que possibilitam a atribuição de determinados sentidos. (...) os procedimentos que utilizam para atribuir sentido ao texto: como e por quais pistas lingüísticas lhes foi possível realizar tais ou quais inferências, antecipar determinados acontecimentos, validar antecipações feitas, etc.” (PCN de Língua Portuguesa de 5ª a 8ª Série, 1998; p. 18).

Os procedimentos dessa leitura colaborativa permitirão que o professor perceba o grau de conhecimento lingüístico que os alunos possuem para construção de sentido junto ao texto.


Projetos de Leitura:

Pelos PCNs (1998), projetos de leitura são situações didáticas para o contato direto com os diversos tipos de atividades em que a linguagem oral, linguagem escrita, leitura e produção de textos se inter-relacionam de forma contextualizada, pois quase sempre envolvem tarefas que articulam esses diferentes conteúdos.
O texto na sala de aula deve propiciar ao leitor o contato com os meios de comunicação que circulam na sociedade. Um projeto de leitura propicia aos alunos a identificação de diferentes tipos de textos veiculados pelo jornal. Sendo assim, com a prática de leitura desse texto o leitor passará a interpretá-lo de acordo com o objetivo da leitura.
Cria-se uma situação de leitura por diversão e informação, além de promover a participação coletiva e a interpretação de outros leitores sobre o assunto tematizado.

Atividades Seqüenciadas de Leitura:

O trabalho de leitura seqüenciado, sugerido pelos PCNs (1998), refere-se ao desenvolvimento de uma prática de leitura constante. Essa atividade não tem uma proposta única, daí a oportunidade de discutir com os alunos qual tipo de leitura poderá ser aplicada. A proposta favorece a consolidação de estratégias de leitura que foram mediadas pelo professor na leitura. A partir dessas atividades seqüenciadas o professor também poderá acompanhar o desenvolvimento de leitura e adaptá-la aos interesses dos leitores, uma vez que não há um tema escolhido ou autor. Além de ser possível integrá-los aos projetos de leitura comentados acima.

Atividades Permanentes de Leitura:

De acordo com os PCNs, atividades permanentes de leitura são situações didáticas propostas com regularidade e voltadas para a formação de uma atitude favorável à leitura. Nesse momento de leitura, é considerado essencial o trabalho com outras formas de leitura. Uma leitura dramatizada, por exemplo, favorece a concentração e o interesse de uma sala que tem altos índices de indisciplina. O professor propõe determinados dias para que os alunos produzam algum material que remeta à leitura feita em sala de aula, comentem algum ponto de interesse e discutam dúvidas não esclarecidas. Por fim, sugere que os alunos de alguma forma incentivem outros colegas a lerem a mesma história que os entusiasmou tanto.


Leitura feita pelo Professor:

Os PCNs de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental vêem a leitura feita pelo professor como a maior oportunidade de contato com leitores proficientes e apaixonados pela leitura. O professor propicia o contato com leituras mais densas e que necessitam de um apuramento lingüístico mais desenvolvido.
Conforme os PCNs:
“A leitura em voz alta feita pelo professor não é uma prática muito comum na escola. E, quanto mais avançam as séries, mais incomum se torna, o que não deveria acontecer, pois, muitas vezes, são os alunos maiores que mais precisam de bons modelos de leitores”.(PCN de Língua Portuguesa de 5ª a 8ª Série, 1998; p. 19).

Sendo assim, uma prática de leitura em que o professor é modelo de leitor permitirá que seus futuros leitores vejam o poder da leitura em suas vidas e nas suas relações sociais. “Uma prática intensa de leitura na escola é, sobretudo, necessária, porque ler ensina a ler e a escrever”. O objetivo da escola, exatamente, é deixar de ser um espaço de interpretação nulo, para se tornar um movimento ativo de construção de sentidos.

REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA

CANUTO, Maurício. Leitura: um contraponto entre a fala do professor e o silenciamento da voz do aluno. 2008 Monografia (Especialização) – Centro de Pós-Graduação, Universidade Nove de Julho, São Paulo, 2008.

Parâmetros Curriculares nacionais: Língua Portuguesa: primeiro e segundo ciclos / Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. 3. ed. – Brasília : A Secretaria, 1998.